Tudo começou no mês de Setembro de 2023, quando a cidadã via secreções estranhas a sair das partes íntimas, uma espécie de massa com coloração castanha clara, com um odor esquisito. Apesar de num primeiro momento a intuição ligada a uma eventual doença oncológica ter sido cogitada, por outro lado achava tratar-se de uma infecção urinária.
A mulher explicou ao Jornal de Angola que aquele foi o único dia em que houve secrecções espessas. Nos dias seguintes, referiu, surgiu um leve corrimento vaginal aquoso, sem cheiro, que durou vários dias sem nenhuma dor. Acrescentou que foi naquele momento que decidiu procurar por um ginecologista sem o conhecimento da família.
Durante os exames, salientou, o ginecologista notou que havia uma massa visível nas paredes vaginais que sangrava muito com o toque e, por isso, não foi possível colectar o material para o exame preventivo.
Ângela Silvestre explicou que após dois meses de vários exames, foi diagnosticada com cancro vaginal. Realçou que a partir daquele dia, a vida já não era a mesma, tornando-se numa pessoa fria, anti-social, desesperada, e com pensamentos de desistir da própria vida. O emagrecimento era evidente. Apesar de passar por todo esse pesadelo, foi superando o trauma e o desejo de ser curada era cada vez mais forte.
“O meu filho caçula, que por sinal é o único que vive comigo, percebeu que algo estranho se estava a passar comigo, foi daí que reuniu os irmãos e eu ganhei coragem para contar o que se estava a passar. A notícia deixou toda a família triste, porém, ganhei forças e com o apoio de todos segui com o tratamento, a fim de encontrar a cura”, disse.
De acordo com o oncologista João Wilson da Rocha, o cancro vaginal é uma doença maligna rara que se desenvolve nos tecidos da vagina. É mais comum em mulheres acima dos 60 anos, embora possa surgir em qualquer idade. O tumor do trato feminino causado pelo HPV, o vírus originado por essa enfermidade, são especialmente os tipos 16 e 18, os principais agentes associados ao cancro vaginal.
João Wilson da Rocha considerou que podem contribuir para o desenvolvimento da doença factores comuns como histórico de cancro cervical, exposição ao dietilestilbestrol (DES), idade avançada e sistema imunológico enfraquecido. Acrescentou que os sintomas podem incluir sangramento vaginal anormal, especialmente após a menopausa ou relações sexuais, corrimento incomum, dor pélvica ou durante o acto sexual e a presença de uma massa na vagina.
O especialista acrescentou que a infecção pelo Papiloma Vírus Humano ( HPV) é um factor de risco para o cancro vaginal. O médico frisou que, em Angola, a doença é considerada rara, tanto pelo número reduzido de diagnósticos quanto pela subnotificação, tendo adiantado que as terapias variam conforme o estágio da doença, podendo incluir cirurgia, radioterapia, quimioterapia ou uma combinação destes.
“Infelizmente muitas mulheres só procuram ajuda médica em estágios avançados da doença, o que pode criar a impressão de que a doença é ainda mais incomum”, lamentou.
João Wilson da Rocha explicou que a baixa prevalência da doença pode estar associada às dificuldades de diagnóstico precoce, pois os sintomas iniciais são muitas vezes inespecíficos ou inexistentes. Além disso, o acesso limitado a exames especializados e o desconhecimento da doença contribuem para o subdiagnóstico.
O especialista sublinhou que a doença corresponde a cerca de sete por cento do cancro ginecológico, acrescentando que os dados estão de acordo com a literatura médica. Por ser raro, o cancro vaginal representa uma pequena percentagem dos tumores ginecológicos, sendo superado em incidência pelo cancro do colo do útero, do ovário e do endométrio.
Além disso explicou que, por se tratar de uma doença rara (a cada cinco meses é registado apenas um caso), as mulheres negligenciam e quando procuram ser tratadas já vão num estado muito avançado, alertando que a taxa de cura e de sobrevivência é de 75 por cento para essas pacientes.
“São poucos os casos e quando chegam com a doença na fase inicial, é tratada com cirurgia, mas quando a enfermidade é mais avançada, a essas o tratamento é mais agressivo, que engloba a quimioterapia e radioterapia”, esclareceu.
João Wilson da Rocha fez saber que o acesso à informação e à medicina preventiva é fundamental. A realização de exames ginecológicos regulares, como o Papanicolau, e a vacinação contra o HPV podem detectar lesões precursoras e prevenir a evolução da doença.
“Muitas vezes, o cancro vaginal surge como consequência e agravamento de outro tipo de cancro, como no colo do útero ou na vulva. Nesses casos, o acompanhamento rigoroso das pacientes com histórico de outros cancros ginecológicos é essencial. Exames regulares, tratamento adequado e rastreamento contínuo são as principais medidas para evitar que a doença se agrave ou se espalhe para a vagina”.
O oncologista salientou que a via sexual é a forma mais comum de transmissão do HPV, mas não é a única. O contacto pele a pele com áreas infectadas, o uso de objectos contaminados como toalhas íntimas e até o parto vaginal, assim como a transmissão da mãe para o bebé, são outras possibilidades, embora menos frequentes.
O especialista explicou que a partir dos exames de imagens específicas é possível ter um diagnóstico, assim como a ressonância magnética e a tomografia computadorizada podem auxiliar na identificação da extensão do tumor. No entanto, a confirmação do diagnóstico depende de biópsia e avaliação histológica.
João Wilson da Rocha acrescentou que inicialmente o ginecologista é o profissional indicado para solicitar os exames de rastreamento e suspeição. Caso se confirme a presença de um tumor, o oncologista entra no processo para conduzir o tratamento específico.
Além disso, explicou o médico, determina o estágio do cancro com base no grau de disseminação, porque os estágios variam de primeiro até o quarto, que é o mais avançado.
“Quando se diz que o diagnóstico do cancro vaginal não é muito fácil, porque não apresenta sintomas na sua fase inicial, significa que nos estágios iniciais a paciente pode não apresentar nenhum sintoma visível, o que dificulta a detecção precoce. A melhor forma de contornar isso é promovendo o rastreio regular com exames ginecológicos e incentivando a vacinação contra o HPV”, explicou.
O especialista alertou para as melhores condições dos hospitais públicos e privados para que o diagnóstico encontre o cancro no estágio um, a fim da taxa de sobrevivência chegar acima dos 80 por cento. Referiu ser essencial a presença de ginecologistas capacitados, e ter acesso a exames como o Papanicolau, colposcopia e biópsia, além de equipamentos de imagem. A formação contínua dos profissionais e a consciencialização da população também são pontos-chave para a prevenção da doença.